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Amai-vos e instruí-vos
Transcrições

Amai-vos e instruí-vos

Seminário realizado por *Cosme Massi no IX Encontro Chico Xavier de Guaxupé — FMG — em agosto de 2017.

Transcrição de Rui Gomes Carneiro


“Amai-vos e instruí-vos”. Esta recomendação encontra-se em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo VI, intitulado “O Cristo Consolador”, item 5, “Advento do Espírito de Verdade”. Consideramos este o capítulo mais profundo de toda a obra de Kardec. A profundidade das mensagens deste capítulo, todas elas assinadas pelo Espírito de Verdade, nos impõe a necessidade de meditarmos longamente sobre cada uma delas. As mensagens do Espírito de Verdade são todas muito curtas, têm dois, três, quatro parágrafos no máximo, mas todas elas com uma profundidade que exige muito tempo para entender.

O Espírito de Verdade, o próprio Cristo, comandou a obra espírita junto com Allan Kardec. O Espiritismo teve dois grandes líderes em seu surgimento: do lado do mundo espiritual o Espírito de Verdade, ou Jesus, e, do lado de cá, Allan Kardec.

Vamos ver esta mensagem do Espírito de Verdade. Eu me recordo que quando, pela primeira vez, há muitos e muitos anos, havíamos falado que o Espírito de Verdade era Jesus, um amigo que estava ouvindo nos alertou:

— Se o Espírito de Verdade for Jesus, suas mensagens têm que ser muito profundas.

Resolvemos então fazer reuniões para estudar as mensagens do Espírito de Verdade. Essa mensagem que vamos abordar hoje precisou de alguns meses para ser estudada, para que pudéssemos extrair dela toda a beleza e a profundidade, próprias dos textos do Espírito de Verdade. O Espírito de Verdade começa essa mensagem dizendo:

“Venho como outrora aos transviados filhos de Israel”.

É interessante que ele comece com “venho como outrora”, indicando que veio como já tinha vindo antes. Vamos analisar essa frase do ponto de vista da escala espírita, entender quem são os transviados filhos de Israel.

Os filhos de Israel representam, como sabemos, na história do povo hebreu, aqueles doze filhos que dariam origem às doze tribos que depois seriam guiadas pela primeira revelação de Moisés, simbolizando a própria humanidade.

Mas por que filhos transviados? Transviado significa o que saiu do caminho que deveria seguir, que se extraviou. Existia um caminho, mas o indivíduo se desviou dele. Que caminho é esse que nós tínhamos que seguir e nos desviamos, e por que Jesus teria vindo para estes que se desviaram? Vamos entender isso, mas precisamos compreender um pouco da escala espírita.

ESCALA ESPÍRITA. — ITENS 100 A 113.

Espíritos Puros ou Perfeitos

Nenhuma influência da matéria.

Superioridade intelectual e moral absoluta com relação aos Espíritos das outras Ordens.

Espíritos Bons

Predominância do Espírito sobre a matéria. Desejo do bem.

Espíritos Imperfeitos

Predominância da matéria sobre o Espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo, e todas as paixões que lhes são consequentes.


Kardec classificou os Espíritos em três ordens: a primeira ordem, dos Espíritos perfeitos ou puros, a segunda ordem, dos Espíritos bons, e a terceira ordem, dos Espíritos imperfeitos.

Vejamos o que ele diz dos imperfeitos:

“Predominância da matéria sobre o Espírito; propensão para o mal; ignorância, orgulho, egoísmo, e todas as paixões que lhes são consequentes.”

Quando se entende esta caracterização do Espírito imperfeito, percebe-se uma coisa: se há predominância da matéria sobre o espírito e uma propensão para o mal, se ele cultiva as más paixões, como o orgulho, o egoísmo, a raiva, o ódio, a inveja, não pode ser o início do processo evolutivo dos Espíritos. Deus não pode ter criado um Espírito que, ao ser criado, está com as características da terceira ordem. Porque se Deus houvesse criado esses Espíritos com as características da terceira ordem, ele seria o culpado pela propensão para o mal. Ele seria o culpado pelo egoísmo, pelo orgulho, pelas paixões ruins.

Então os Espíritos imperfeitos não são os Espíritos recém-criados, a escala espírita não trata dos Espíritos na sua origem.

Vamos entender o uso da palavra imperfeito por Kardec e pelos Espíritos: imperfeito, na escala, não pode ser lido como adjetivo, ou seja, uma qualidade do Espírito, por dois motivos: 1) Só poderiam existir duas ordens, a dos imperfeitos e a dos que não seriam imperfeitos, que seriam perfeitos — mas há três ordens. 2) O termo imperfeito, do ponto de vista filosófico, significa falta, defeito, mas Deus não pode ter nos criado com falta, com defeito, sendo ele a perfeição.

Por isso o grande filósofo Baruch Spinosa tem uma frase monumental: “Por realidade e por perfeição deve-se entender a mesma coisa.” Tudo que é real é perfeito, porque tudo que é real é obra de Deus; seria uma contradição um Deus perfeito criar algo imperfeito; toda a sua obra necessariamente é perfeita.

Então o Espírito não foi criado imperfeito por Deus no sentido de falta ou defeito, e, também não foi criado imperfeito no sentido da escala espírita. Kardec não usou “perfeito”, “bom” e “imperfeito” como adjetivos; os nomes das três ordens devem ser entendidos como substantivos compostos. “Espírito perfeito” é uma categoria de Espíritos, “Espírito bom” é o nome de outra categoria, e “Espírito imperfeito” é o nome da terceira categoria.

Mas voltemos à escala. Se os Espíritos não foram criados imperfeitos, com muita maldade, vícios, propensos ao mal, foram criados como, e por que entraram nessa ordem?

Kardec explica como o Espírito foi criado, como era em sua origem: simples e ignorante. Não tinha nem maldade nem bondade, não conhecia a lei de Deus, não tinha a lei dentro de si, era ignorante do bem e do mal. Não tinha consciência de si, nem livre arbítrio, que foram sendo desenvolvidos ao longo do tempo. Kardec diz na Revista espírita que o Espírito foi conhecendo, conquistando a consciência de si, o livre arbítrio, aprendendo a escolher provavelmente durante milhares de existências.

Quando toma conhecimento da lei de Deus, formando uma consciência e adquirindo a capacidade de escolher livremente, tornando-se responsável pelas próprias escolhas, é que o problema acontece: alguns Espíritos seguem o caminho reto e largo que conduz ao reino do Pai; outros afastam-se da realidade espiritual, e distanciam-se de Deus.

O primeiro é o caminho reto e largo, daquele que sempre segue as leis divinas.


A esses, que sempre seguem o caminho do bem, os Espíritos se referem como os que seguiram em linha reta, seguiram direto para Espíritos bons. De Espíritos simples e ignorantes vão direto para Espíritos bons e depois para Espíritos puros, já que não há retrogradação da alma. Na Revista espírita Kardec dá exemplos desse tipo de Espírito, que jamais cultivou emoções ruins, ou seja, só tem que passar por provas durante suas existências corpóreas.

Lembrando que o Espírito imperfeito passa por provas e expiações, o Espírito bom só por provas e o Espírito perfeito nem por um nem pelo outro. Provas são todas as experiências a que somos submetidos durante a vida. Tudo que nos leva a mostrar se estamos agindo com virtude ou sem virtude é uma prova. Já uma expiação é uma prova que é consequência de um mal praticado.

Então toda prova que é consequência do mal praticado é expiação, o que leva Kardec a afirmar que toda expiação é prova, mas nem toda prova é expiação. Não temos condições de saber se o sofrimento e dor pelos quais alguém está passando são expiações ou apenas provas escolhidas por ele. Desta forma temos que ter muito cuidado com os julgamentos dos sofrimentos dos outros na Terra, pois neles geralmente condenamos, afirmando que ele "jogou pedra na cruz”. Pode ser apenas uma prova que não é expiação, que não é consequência de um mal que ele tenha praticado. Kardec dá exemplos na Revista espírita de Espíritos bons que escolhem uma vida de dor e sofrimento que não são expiações, para apressar seu progresso, para servirem de exemplo de vida, para mostrar que é possível viver uma vida de luta e sofrimentos com equilíbrio. Kardec mostra, assim, que é possível provas sem expiação. É comum, ao ver alguém em sofrimentos aqui na Terra, imaginar que ele tenha cometido muitos crimes para estar sofrendo daquele jeito; impossível sabermos, pode ser uma prova escolhida que não é expiação.

Voltando à escala espírita, esses Espíritos simples e ignorantes que evoluem em linha reta só passam por experiências de provas, não passam por experiências de expiação: como nunca cometeram o mal, não têm o que expiar. Então seguem muito mais rápido em direção ao topo da escala espírita.

Já a violação da lei divina traz consequências que atrasam muito a caminhada do Espírito. Muita gente pensa que o processo de justiça divina é só de sofrimento, mas estão enganados. Kardec ensina que são três coisas: arrependimento, expiação e reparação.

A pessoa faz um mal, sofre a expiação e vai embora? E quem foi prejudicado, fica com o prejuízo para ele? Não, não seria justo. É obrigatório reparar todas as consequências do mal praticado, é da justiça de Deus. E isso pode levar muito tempo. Imagina uma pessoa que assassina um pai de família: na vida seguinte ele é assassinado e tudo resolvido? Seria fácil demais: seria só reencarnar e pedir a Deus para ter uma morte violenta, e pronto, resolvido. Mas o que aconteceu com aquela pessoa que foi morta? Quais as consequências do crime? E o que aconteceu com a família dessa pessoa que foi assassinada, sua esposa, seus filhos que dependiam dela, que ajudava e orientava os filhos? Tudo isso terá que ser reparado, além da expiação; o mal praticado pode exigir muitas existências corporais para ser definitivamente perdoado.

Então o processo expiatório atrasa e muito o processo evolutivo do Espírito.

Agora vejam que coisa curiosa: nós, que somos da terceira ordem, reencarnantes compulsórios de mundos de provas e expiações, fizemos um caminho diferente desse reto. Quando saímos de simples e ignorantes e adquirimos o livre arbítrio, nós escolhemos o mal, optamos pelo erro. Viramos Espíritos imperfeitos da escala espírita, por nossa livre vontade. Fica claro que não fomos criados na terceira ordem, evoluímos para ela. Aí se pode perguntar: “Como evoluímos?” Mas você saiu de nada para alguma coisa. As conquistas de conhecimentos, da consciência, do livre arbítrio representam um avanço na escala espírita em relação ao simples e ignorante. Nunca há retrogradação da alma.

Assim, nós somos os filhos que desviaram do caminho reto, os transviados citados pelo Espírito de Verdade. Ao invés de seguirmos o caminho reto até Espíritos bons nós escolhemos o caminho dos vícios, da valorização da matéria, das paixões desenfreadas, e entramos na terceira ordem, a ordem dos Espíritos imperfeitos.

E é para nós, imperfeitos, que o Espírito de Verdade diz: “Venho como outrora. . .” É com a gente que ele está falando. Uma pergunta: Jesus precisaria ter vindo se só existissem Espíritos bons na Terra? Espírito bom só tem desejo bom, só tem boas ações, só tem bons pensamentos, só pratica a lei de Deus. Jesus não veio para eles, porque não precisavam, já viviam o que Jesus veio ensinar.

Jesus veio para nós, os transviados filhos de Israel. Que extraviamos do caminho reto e caímos na terceira ordem. Alguns Espíritos são mais racionais: caem na terceira ordem, percebem o erro em um tempo curto e voltam ao caminho reto.

Portanto, não é preciso ficar na terceira ordem muito tempo, pode ser só o tempo de perceber o erro, quitar os débitos, e voltar. Sem dúvida é muito mais fácil e menos doloroso voltar logo no início das expiações, quando ainda são poucos os vícios acumulados.

Mas nós vamos acumulando vícios: inveja, ciúme, raiva, ódio, orgulho, egoísmo, etc. E à medida que se acumulam mais vícios são mais a serem eliminados. Uma montanha de vícios significa uma montanha de vícios a serem eliminados. Não se vai para a segunda ordem se ainda tiver emoções ruins. Basta uma para impedir a entrada em um mundo feliz, pois mostra o desejo do mal, ainda contraria a lei de Deus.

Voltemos ao esquema das ordens acima. Vê-se que existe um caminho que permite ao Espírito imperfeito seguir para o caminho reto que conduz ao Pai.

Quando se opta pelo mal e se torna um Espírito imperfeito, o indivíduo acumula vícios que precisará deixar de lado. Percebam no esquema que a passagem de Espírito imperfeito para Espírito bom é estreita; como no caminho reto, os vícios, as paixões ruins, os maus sentimentos não passam na estrada para Espírito bom. Lá só entram as virtudes. A carga que se está levando de maldade, de vícios, de orgulho, de inveja, de raiva, de ódio terá que ser abandonada, substituída por virtudes, porque a estrada agora é estreita: poucas pessoas passam por ela, só as que se livraram dos vícios e desenvolveram as virtudes.

O Espírito imperfeito vai adiando o processo de transformação, e agora a porta é estreita. É necessário superar os seus vícios morais, é preciso colocar os valores morais acima dos apegos à matéria.

Então o Cristo veio até nós, Espíritos imperfeitos, para nos mostrar o caminho da salvação, o caminho estreito. E nos mostrou a necessidade de eliminar as paixões ruins, os apegos à matéria, as emoções más de nosso mundo interior. E insistiu: ama ao teu próximo como a ti mesmo.

O amor é a estrutura necessária para a eliminação dos vícios morais. É na convivência em sociedade que se vai aprendendo a renunciar a si mesmo em favor do outro, e é assim que vão sendo eliminados os dois vícios que dão origem a todos os outros: o orgulho e o egoísmo. Quando se aprende a amar, o orgulho tende a desaparecer.

O orgulho tem em sua estrutura o amor-próprio. O que é o “amor-próprio”? É aquele amor em que o indivíduo olha para si como se fosse diferente das outras pessoas. É diferente do “amor de si”; eles não devem ser confundidos.

Quando Jesus diz “Amai o próximo como a si mesmo”, é do amor de si que ele está falando, é de amar a alma em sua igualdade com todas as outras. Todos somos almas em evolução, somos iguais, todos somos almas necessitadas de amor, de amparo.

Por outro lado, no amor-próprio, ao se considerar diferente do outro, passa-se a amar não mais a alma; cria-se uma persona e passa-se a amar um personagem; e cada um na Terra vive o seu personagem, esquecendo-se de que é uma alma.

Alguém diz: eu sou o “doutor fulano de tal”; se ele ama o “doutor fulano de tal”, ele ama esse personagem, ou seja, ele ama o seu estado social, a sua posição, o seu título; ele não está se referindo à sua essência, à sua alma, àquilo que de fato ele é; está dizendo que ama esse personagem que representa para o mundo, e isso é amor-próprio.

Não devemos olhar os personagens, temos que amar a alma, em si mesma, naquilo que ela tem de grandiosa, pois somos todos filhos de Deus, somos Espíritos imortais, criados para a felicidade.

É preciso amar qualquer um pelo simples fato de ser um Espírito, é esse o amor incondicional; deve-se amar o Espírito, a alma, e não um personagem. Não se ama a esposa, o filho, suas almas é que precisam ser amadas, é esse o amor de si. Não são personas, não são personagens, não é amor-próprio, é amor de si, é o amor da essência do Espírito, da alma.

O amor-próprio, amor do personagem que representa, leva o homem a fazer-se maior do que é realmente, o que o torna orgulhoso e egoísta, afastando-o de Deus.

Já o amor de si leva o homem a não querer ser maior do que ninguém, ele sabe que somos todos almas igualmente amadas por Deus. O amor de si é a humildade pregada pelo Cristo.

O Cristo e o Espiritismo nos ensinam que para fazer o retorno ao caminho reto e largo que leva à felicidade temos que abandonar o orgulho, o egoísmo e todos os vícios que surgem deles. Esse é o grande desafio. Estamos dispostos a abandonar os nossos personagens, a considerar o outro igual a nós mesmos? Vamos aceitar de fato que todos desfrutem dos mesmos direitos, e do mesmo destino de progresso e de felicidade? Estamos dispostos a deixar de lado a inveja, o ciúme, o orgulho, a raiva, o ódio? Mas não voltaremos ao caminho reto e largo se não fizermos isso. Não se passa pela porta estreita com tudo isso na alma. Esse é o nosso desafio.

O Cristo, agora Espírito de Verdade, veio para esses, os filhos transviados; veio para aqueles que em vez de seguirem reto na estrada das Leis de Deus, resolveram mudar o caminho se apegando à vida corporal e aos vícios, esquecendo-se que não há distância menor entre dois pontos que uma reta. Quando a pessoa desvia, ela aumenta a distância, ou seja, vai demorar mais para chegar. Mas está nas nossas mãos. Quanto tempo vamos continuar como Espíritos imperfeitos? Depende de cada um de nós. A decisão é individual e intransferível.

O que diferencia um Espírito bom de um Espírito imperfeito não são os valores intelectuais, é o desejo do bem, são os valores morais, as virtudes. As boas emoções, esse é o nosso primeiro objetivo. Notemos que escala espírita não fala em progresso intelectual para essa passagem para Espírito bom.

É claro que de Espírito bom para a frente as conquistas intelectuais serão fundamentais, mas para fazer a mudança da terceira para a segunda ordem Deus não perguntará se sabemos física, matemática, biologia, etc. Será muito mais simples:

“Tens virtudes?”

“Sim, eu as tenho, Senhor!”

“Podes entrar na segunda ordem.”

Ou:

“Não, não as tenho, Senhor, tenho apenas vícios.”

“Continua na terceira ordem, meu filho”, dirá o Senhor, com misericórdia.

Então o processo de passagem da terceira para a segunda ordem para retomar o caminho reto é a transformação do mundo interior de sentimentos e emoções. É preciso abandonar a inveja, o ciúme, o orgulho, a raiva e todas as paixões que caracterizam o Espírito imperfeito. Enquanto não nos libertarmos delas, continuaremos sendo da terceira ordem, pois teremos características dessa ordem.

O indivíduo pode ser muito inteligente, saber física, matemática, filosofia, biologia, mas continuará na terceira ordem se tiver uma paixão ruim. Basta uma para impedir a passagem para Espírito bom. Claro que é melhor ser um Espírito da terceira ordem com muita cultura do que ser um Espírito da terceira ordem ignorante da ciência e da filosofia, é claro que é melhor, mas isso não é suficiente para a mudança na escala, não permite que você abandone o mundo de provas e expiações. O perispírito é caracterizado pelo mundo íntimo, pelos valores morais, emocionais, pelos pensamentos; se o indivíduo desencarna e seu perispírito tem alguma característica da terceira ordem, isso impede o acesso à felicidade dos bons Espíritos. Então é necessário mudar o nosso mundo interior.

Voltemos à mensagem do Espírito de Verdade:

“Venho como outrora aos trasviados filhos de Israel”. Agora sabemos quem são estes, agora sabemos quem somos: aqueles que resolveram desviar do caminho da felicidade e enveredar para a ordem dos Espíritos imperfeitos.

Ele veio para nós, Espíritos imperfeitos, mas para quê?

“Trazer-vos a verdade e dissipar as trevas”.

Atenção: O Espírito de Verdade, e o Espiritismo, vieram trazer-nos a verdade. Por que a verdade? A verdade tem que expressar o pensamento divino, tem que estar de acordo com a lei de Deus. Só faz sentido pensar em verdade quando se pensa em Deus, ou seja, o Espiritismo veio nos trazer as leis de Deus, a verdade sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos.

A verdade é o que é de fato. Tudo o mais é o que chamamos de conhecimento: vamos ver um pouco do que em filosofia se entende por verdade e por conhecimento.

Peguemos um copo, por exemplo. Eu posso dizer que esse copo é de plástico, é transparente, que esse plástico contém certos componentes químicos; enfim, posso falar tudo que eu sei sobre o copo. Isso é conhecimento. Conhecimento é aquilo que eu penso que é; no caso, o copo. É o que se sabe dele, mas não se sabe tudo dele. O que se pensa que esse copo é são os resultados de teorias que foram formuladas e estudadas. Isto é conhecimento. É sempre um ponto de vista, apoiado em teorias da física, da química, da ciência.

Agora, e se a pergunta fosse “E na verdade, o que é esse copo?”, ou, o que é de fato esse copo? Estaria querendo saber a verdade sobre o copo, mas isso só se consegue no estado de Espírito puro, daqueles que já obtiveram o desenvolvimento intelectual máximo possível em nosso mundo. Até lá estamos no caminho do conhecimento, que é muito importante. O conhecimento, definem os filósofos, é uma adequação entre o meu pensamento e a realidade. O que eu penso se aproxima do que é real, e essa aproximação é o conhecimento. A verdade sobre o copo nós vamos saber quando não tivermos mais a mediação do conhecimento, das teorias, dos conceitos.

Então o filósofo vai dizer: “A verdade sobre o copo? É o silêncio!” Porque ao tentar dizer o que é a verdade sobre o copo, já se está no conhecimento, começa-se a usar conceitos, teorias, e aí já se distanciou da verdade. Por isso os grandes filósofos dizem que a verdade tem que ser o silêncio. Ao ser perguntado por Pilatos sobre a verdade, Jesus ficou quieto. Porque se ele fosse explicar, já não seria a verdade, seria conhecimento, já seria um ponto de vista, uma maneira de pensar. toda linguagem carrega os conceitos de alguma teoria, o conceito de transparente, de plástico, de molécula, de átomos, são conceitos, são ideias, que a mente formula numa tentativa de saber o que é o copo na verdade.

Só se poderá saber o que esse copo é realmente quando não existirem mais os intermediários da teoria, dos conceitos; é por isso que na filosofia hindu se diz que, quando a pessoa está avançando, é como se ela pegasse um barco para atravessar um grande lago, tendo como objetivo atingir o estado de Nirvana; do lado de lá do lago está o estado de Espírito puro ou perfeito, esse estado especial de felicidade plena. Quando se chega do lado de lá do lago, atingindo o objetivo da viagem, o que se faz com o barco? Joga fora, já não se precisa mais dele. Vai ficar com o barco? Já chegou no seu objetivo. O barco são os recursos intelectuais, os conhecimentos que utilizamos para fazer a travessia, para chegarmos a Espíritos puros. Ao se tornar Espírito puro, já se sabe a verdade, já se identifica com Deus; por isso Jesus diz “Eu não faço a minha vontade, mas a daquele que me enviou”. Essa é a maior expressão de liberdade: o seu uso para fazer a vontade de Deus, sabendo que essa é a vontade, aquela que de fato deve ser realizada.

O que fazemos quando estamos diante da verdade? Simplesmente nos curvamos e, respeitosamente, dizemos: “Sim, senhora.”

Vamos imaginar que se prove que dois mais dois é igual a 4. Alguém vai tentar argumentar que não é 4, que é qualquer outra coisa? Não, ninguém vai, porque essa é uma verdade, e diante da verdade dizemos: “Sim, senhora”. Ninguém fica discutindo com a verdade. A discussão só existe no plano do conhecimento; sobre a verdade não há discussão. Ao conhecê-la, nos submetemos a ela, livremente. Em meu livro “Espírito e Matéria” eu explico por que a verdade é livre e libertadora. A verdade não se submete a nada, nem à razão, nem à vontade, a ninguém. Ela é livre, e serve ao mesmo tempo para libertar o indivíduo de si mesmo, pelas mudanças que promove em seu mundo interior, em seus pensamentos, sentimentos e desejos. Ao conhecer a verdade, nós nos libertamos daquilo que somos, pois já seremos diferentes: cada vez que um novo conhecimento da verdade é adquirido, nós nos modificamos, já não somos mais os mesmos. A Verdade permite novos desejos e, portanto, novas vontades, novas ações.

Mas a verdade não pode ser imposta. Ela exige aceitação; os Espíritos dizem a Kardec, na questão 841 de O Livro dos Espíritos, que “a convicção não se impõe”. Apresenta-se a verdade para a pessoa, é o que pode ser feito; no momento em que ela consegue perceber que aquilo é a verdade, ela se curva: “Sim, senhora”. Ele se submete a ela. No estado de Espírito puro se conhece Deus, a verdade suprema, e ele simplesmente se submete a essa verdade plenamente: a vontade de Deus passa a ser a sua.

É esse estado especial que Jesus nos traz: “Trago-vos a verdade”. Ele veio, trouxe seus ensinamentos, apresentou-os, mas deixou a cada um a decisão de segui-los ou não. É o indivíduo que tem que perceber que o pensamento do Cristo é a verdade. Para isso Deus nos deu a razão, o raciocínio, a reflexão. São as suas faculdades que tornam o Espírito capaz de reconhecer a verdade quando ela se apresenta para ele.

Mas o Espírito de Verdade diz mais: “trazer-vos a verdade e dissipar as trevas”.

Por que “dissipar as trevas” e não apenas “trazer a verdade”? Porque só se consegue enxergar a verdade, que é o caminho, se não estiver com os olhos vendados ou mergulhado em densas e escuras nuvens. Imagine-se em um lugar no qual se sabe que existe um caminho correto a seguir, mas as trevas impedem que se chegue a ele. A verdade está disponível, mas é preciso abrir os olhos para enxergá-la, é preciso dissipar as trevas que a ocultam. Então o Espírito de Verdade não podia oferecer apenas a verdade, seria insuficiente: precisava nos ensinar, também, quais os instrumentos adequados para clarear o caminho.

Esses instrumentos vão sendo conquistados à medida que o Espírito vai aprendendo a amar, que começa a abandonar os vícios morais que obscurecem a sua visão. Os vícios como o orgulho, o egoísmo, o ciúme, a inveja, a raiva, o ódio, não são boas companhias, nos conduzem aos erros. Quantas decisões já tomamos com raiva, com ódio, com inveja e depois nos lamentamos por tê-las tomado? “Escolhi o caminho errado porque eu estava cego”. Sim, cego pelas paixões ruins.

Essas paixões obscurecem nosso perispírito, criam “nuvens”, “escuridão” em torno de nós, o que dificulta a percepção do caminho correto. As paixões nos iludem fazendo-nos crer que a felicidade está na matéria. Então o Cristo não trouxe apenas a verdade, mas nos deu também os instrumentos para vencermos esses estados emocionais e sentimentais que nos impedem de enxergá-la.

Daí a importância do “amai-vos” em primeiro lugar, antes do “instrui-vos”; o papel da instrução é apresentar a verdade, mas para entender a verdade é preciso estar com a mente aberta, é preciso ser humilde, porque o orgulhoso acha que já sabe. E se acha que já sabe, não vai querer aprender, e então permanecerá nos equívocos das paixões ruins. Para entender a verdade é fundamental a postura de mente aberta, lúcida e clara. E essa postura só é conseguida com a virtude da humildade, que se vai conquistando no ato de amar o outro, de ouvir o outro, de prestar atenção no outro.

O Espírito de Verdade continua:

“Escutai-me.”.

Vejam que convite interessante: “Escutai-me”. Ou seja: prestem atenção no que o Cristo está falando; parem tudo o que estão fazendo, e se coloquem por inteiro para ouvir, esse é o convite. Fiquem comigo por inteiro para que a luz se faça no seu mundo interior. Não se distraiam, ou irão perder ensinamentos importantes. Toda vez que se divaga, perde-se a oportunidade de aprender. “Escutai-me”, esse é o convite.

Mas a ansiedade, os interesses materiais, o egoísmo, o ciúme, a inveja, as paixões todas dispersam nossos pensamentos, e acabamos nos entregando a divagações que afastam nossa razão do foco. E então nossos pensamentos nos levam a outros lugares, impedindo que escutemos a voz do Cristo e aprendamos. Nós temos essa ansiedade inútil que nos leva a estarmos aqui, mas não estarmos aqui. Nosso corpo está aqui, mas nossa alma está preocupada com outras coisas. A pessoa está aqui, mas na realidade está no daqui a pouco, está pensando no futuro. Mas daqui a pouco é daqui a pouco. Por que a pessoa não está por inteiro aqui, agora, aproveitando plenamente o presente? De que adianta estar com seu corpo aqui e o pensamento no futuro, que benefício isso pode trazer? Jesus nos ensina que a cada dia basta o seu mal. Então é preciso concentrar-se no que está fazendo, é preciso escutar o que o Cristo ensina.

Prossegue a mensagem do Espírito de Verdade:

“O Espiritismo, como fez antigamente a minha palavra”. . .

De novo a prova: o Espiritismo hoje, como “antigamente a minha palavra”, vejam, é antigamente a palavra dele mesmo, Espírito de Verdade, naquela época como Jesus. É mais uma indicação de que ele, Espírito de Verdade, é o Cristo.

. . .“veio lembrar aos incrédulos”. . .

Vejam, veio lembrar os incrédulos, mas por que “lembrar”? Porque a gente já sabia. Nós fomos criados simples e ignorantes, fomos adquirindo conhecimentos, aprendendo a lei divina, formando uma consciência e desenvolvendo o livre arbítrio; já sabíamos as leis de Deus, seria apenas segui-las, mas começamos a escolher mal e desprezamos aquilo que já sabíamos.

Por que a consciência nos incomoda quando sentimos orgulho, egoísmo, tristeza, as paixões? Porque nós sabemos há muito tempo que essas emoções são causadoras de mal, para o outro e para si mesmo, já aprendemos antes. Não somos Espíritos novos, não estamos na nossa origem. Já somos Espíritos imperfeitos, muito velhos.

Há pessoas que fazem um raciocínio assim: eu tenho esses vícios morais porque eu sou muito novo, eu devo ter sido criado há pouco tempo por Deus e é natural, então, que um Espírito novo tenha esses vícios e esses defeitos. É consolador pensar assim, mas em O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo “Há muitas moradas na casa do meu Pai”, Santo Agostinho diz, ao falar de mundos de provas e expiações, que os Espíritos em expiação na Terra são exóticos, já foram expulsos de outros mundos. Então essas pessoas estão enganadas, elas são mais velhas do que imaginam.

Os transviados filhos de Israel já vieram transviados de outros mundos de provas e expiações, ou seja, já foram considerados a erva daninha, o joio de colheitas passadas e Deus, em sua misericórdia, lhes ofereceu outro mundo para continuarem suas tentativas de evolução, agora aqui, na Terra. Então somos muito mais velhos do que possamos imaginar.

Nós nos esquecemos, precisávamos ser lembrados. Nós somos Espíritos imortais, já sabemos o caminho a seguir. Só o esquecemos.

Diz o Espírito de Verdade que —

“Acima deles reina na imutável verdade”.

O materialismo tomou conta do pensamento humano há muito tempo. E nós continuamos materialistas. Pode-se dizer: “Não sou materialista, eu sou espírita, eu acredito na alma.” Acredita mesmo, hein, acredita mesmo? Quem acredita mesmo que é uma alma, que todos somos Espíritos imortais, continuaria sem fazer esforço para superar os vícios, continuaria valorizando tanto a vida corporal como valorizamos? Somos capazes de matar e morrer por patrimônio material. Nós somos capazes de prejudicar outro para defender algo que nem nos pertence, porque recebemos tudo por empréstimo, inclusive a vida corporal. O seu corpo? Foi presente de Deus. Esse planeta para encarnar? Deus o fez e lhe permite usufruir, é outro presente. Nós escolhemos viver aqui e Deus nos permitiu. Mas não somos donos de nada material, a matéria é apenas o meio para o progresso espiritual. E o que fazemos? Nós nos iludimos com a matéria, com seus prazeres, e a tornamos objetivo da vida. Então o materialismo ainda nos domina, ainda temos dúvidas quanto à existência de Deus, quanto a sermos de fato almas imortais: nós ainda somos incrédulos.

Em vez de sermos o “sim, sim, não, não” ensinado por Jesus, nós somos água morna. Nós nos dizemos espiritualistas, mas vivemos como materialistas. E é curioso, existe a situação inversa, de materialistas que quando a morte se aproxima, passam a admitir a possibilidade da existência de Deus. Também são mornos, porque nem são materialistas de fato, nem são espiritualistas. São materialistas, mas vacilam; e nós somos espíritas, porém não muito. Nós não levamos a sério a proposta espírita. Deveríamos levar às últimas consequências, mas ficamos na superfície.

Sigamos com a mesma frase em estudo:

“Lembrar que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande”.

Deus não é somente verdade, Deus é também misericórdia, amor, bondade, justiça; e o ser humano não vive só da razão, essa dimensão da verdade, vive também da dimensão dos sentimentos, dos desejos, da vontade, à semelhança de Deus. E o Espírito de Verdade lembra “Deus bom”, ensinando que ele é verdade, mas também é amor, e não está isolado em um canto do universo: ele se relaciona com a criação, ele providencia suas necessidades, Ele zela por tudo, está sempre pronto a nos confortar e animar. “Deus bom”, nos lembrando a importância da convivência amiga, fraterna, da relação de amor fundamental entre as pessoas.

Mas o Espírito de Verdade ensina mais:

“Deus grande”.

Deus tem todas as dimensões da existência que se possa imaginar. Do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, —

“que faz germinem as plantas e se levantem as ondas.”

Deus é grande nas dimensões microscópica e macroscópica. Nós precisamos reconhecer isso, que fomos criados por esse ser especial que denominamos Deus: grandioso, bom, justo, a própria verdade e o próprio amor. É imperativo nos submetermos a ele, à sua vontade, numa atitude de louvor e agradecimento, reconhecendo a sua grandiosidade, a sua condição de criador.

O Espírito de Verdade continua:

“Revelei a doutrina divinal”.

Isto é, doutrina de Deus.

Então o pensamento de Jesus é a expressão da verdade, e é desse pensamento que nós, Espíritos imperfeitos, precisamos usar para mudar de ordem na escala espírita. Alguém poderia questionar: mas Jesus não falou nada de física, nada de química, nada de biologia. A física, a química e a biologia também não estão atrás da verdade? Sim, estão, mas Jesus revelou a verdade mais relevante, mais importante, que é a verdade sobre a alma, aquela que pode nos levar de volta ao caminho reto.

Podemos aprender depois sobre o corpo, sobre o átomo, sobre a molécula, para isso não temos pressa em nossa condição de Espíritos em expiação. Como Espírito bom, esse aprendizado será muito mais fácil, pois poderemos enxergar a matéria com muito mais profundidade, teremos acesso a instrumentos de investigação muito mais sofisticados. Deus nos criou para sermos felizes, e isso só se consegue com virtudes e sem vícios morais, por isso Jesus veio revelar a verdade que importa, aquela que mais importa. É aquela que vai nos fazer dar o salto de Espírito imperfeito para Espírito bom. Ninguém vai dar o salto por dominar física, química, biologia, matemática etc. Só se dá o salto vivendo plenamente as verdades da alma, e foram essas as verdades que ele nos trouxe.

Por isso Allan Kardec, na sua sabedoria, define assim o Espiritismo no preâmbulo de sua obra admirável “O Que É o Espiritismo?”: “é a ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, e de suas relações com os homens.”

O Espiritismo não vai se intrometer no estudo das ciências da matéria. Na “Introdução ao estudo da doutrina espírita”, em O Livro dos Espíritos, Kardec tem essa frase admirável: “O Espiritismo não é da alçada da ciência”. O Espiritismo não trata da física, química, biologia. Ele trata de outra dimensão, trata da verdade sobre a alma, que é o mais importante, porque a matéria fica aqui, a alma é que permanece por toda a eternidade.

Saber a verdade da alma é saber aquilo que é necessário para dar o salto na escala espírita, retomando o caminho reto em direção a Deus. Então é muito mais importante. Por isso o Espírito de Verdade revelou a doutrina divina sobre a alma, a verdade sobre o que nós somos, sobre o que nos aguarda, sobre as penas e recompensas futuras, sobre o que é Deus, sobre o que é a vida, a sua função. É essa a verdade que ele nos revelou.

Continua o Espírito de Verdade:

“Como um ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso no seio da humanidade e disse: Vinde a mim, vós que sofreis.”

Que metáfora incrível. O que é um ceifeiro? Já viram alguém colher trigo manualmente? Com uma foice ele vai cortando as plantas, e juntando em feixes. Olha o que ele está dizendo: o pensamento do bem, que é a verdade, surgiu em muitos pontos de planeta, mas de forma dispersa; os missionários do Cristo vieram em todas as religiões e na filosofia, orientais e ocidentais, sempre um e outro trouxeram partes desse bem, um aspecto, um elemento, mas quem reuniu todo esse bem em um feixe único, sólido, rico e profundo de uma ciência e de uma filosofia foi o Espiritismo, com o Espírito de Verdade.

Todo esse bem esparso ganha um sentido muito maior quando juntos, reunidos em feixe forte e resistente, que a razão, por mais rigorosa que seja, não consegue quebrar. Por ser tão lógico, tão rico e tão profundo, esse feixe se torna indestrutível. Enquanto partes isoladas eram possíveis as leituras equivocadas: o bem estava aqui, estava lá, estava acolá. Era preciso reunir tudo em um bem conjunto e sólido, o Espiritismo, que reúne todos os aspectos do bem.

Santo Agostinho diz, na Revista espírita, numa mensagem admirável, quem é Kardec na visão Espírita. Deus o escolheu para que o Espiritismo tivesse uma única raiz, um único tronco, que juntasse todos os ramos, e para que pudesse penetrar na terra ressequida de todos os corações; mesmo o mais exigente e rigoroso materialista não resiste à lógica, à profundidade do pensamento de Kardec e dos Espíritos, que é a expressão do pensamento do Espírito de Verdade, do Cristo.

Assim era necessário que todo esse bem que estava espalhado e ao mesmo tempo pouco aproveitado, porque uns deturpavam, outros tinham compreensões diferentes, fosse reunido em um só feixe, sólido, rico e profundo: o Espiritismo. Nós, que tivemos a oportunidade de conhecer o Espiritismo, de ter nas mãos esse feixe tão bem articulado, as vezes não o valorizamos devidamente. Quão poucos valorizam de fato, tomando-o como bússola de suas vidas.

E ao ter esse feixe de verdade pode-se responder a uma das perguntas mais importantes que nós nos fazemos: a pergunta sobre a dor e o sofrimento. Ao longo da história da humanidade os mais difíceis argumentos colocados pelos filósofos materialistas contra a ideia de Deus são a dor e o sofrimento.

Grandes filósofos materialistas vão dizer: “Se Deus existe, porque a dor, por que o sofrimento? Como pode existir um Deus se há dor, se há sofrimento?”

Quando estamos em frente ao feixe extraordinário que é o Espiritismo, na expressão desse Espírito de Verdade, nós temos respostas que nos atende a isso: “A cada um segundo suas obras”. E o consolo, a esperança: “Vinde a mim todos vós que sofreis”.

No Espiritismo encontramos razões lúcidas para o sofrimento, e descobrimos que ao invés de ser um argumento contra Deus, o sofrimento é, na realidade, um argumento a favor Dele, pois decorre da sua infinita misericórdia; mostra-nos a grandiosidade divina, que nos criou preparados para o crescimento espiritual, e que a dor nada mais é que uma necessidade escolhida pelo Espírito no seu processo expiatório, essencial para o desenvolvimento das virtudes. Há maneira mais fácil e de desenvolver virtude: é seguir sempre as leis de Deus, mas nem todos escolhem isso. No Espiritismo entendemos que a dor é sagrada.

O Espírito de Verdade vai dizer em outra mensagem: “A dor foi sagrada no Jardim das Oliveiras”. “Elevem a sua resignação ao nível de suas provas, porque a dor foi sagrada no Jardim das Oliveiras”.

Meditemos na beleza disso: o Jardim das Oliveiras representa o início dos sofrimentos de Jesus, que vão da traição até a crucificação, com todo o processo de dor e abandono das últimas horas de sua vida na Terra. Até ali ele havia exposto e pregado o evangelho, mas dali em diante, até o calvário, seu ensinamento seria a resignação, a fé em Deus, o perdão. Foi traído, preso, debochado, humilhado, tudo o mais que já sabemos; mas se ele, Espírito puro, que não estava nem em prova nem em expiação, achou que a dor que passaria era sagrada, ou seja, essa dor estava de acordo com a lei de Deus, esse é o significado de sagrado, se ele, que não precisava da dor para nada, que não merecia a dor, mas por amor a cada um de nós se submeteu a ela sem reclamar, resignadamente, o que é que nós, que precisamos da dor, que estamos em provas e expiações, vamos dizer? Para nós a dor é muito mais sagrada ainda, porque nós somos devedores, e temos maldades em nossa alma; nós temos que dizer: “Senhor, muito obrigado por essa experiência de dor e sofrimento, faça que a minha resignação me dê forças para encarar com alegria todas as dificuldades do caminho, porque hoje eu sei, por esse feixe extraordinário que é o Espiritismo, a importância da dor e do sofrimento na vida do Espírito imperfeito, sei que ela é um instrumento poderoso de crescimento espiritual.”

Então essa dor tem uma razão, uma lógica, e agora ao invés de ser um argumento contra Deus, o sofrimento passa a ser um argumento a favor de sua justiça, de sua bondade, de seu amor para com todos nós; temos aí os argumentos para voltarmos ao caminho reto, que agora desejamos. Deus não nos fez para sermos Espíritos imperfeitos da escala espírita. Nós poderíamos ter seguido o caminho em linha reta, mas resolvemos dar essa guinada para os vícios. Ele nos dá, por amor, a oportunidade de voltarmos: os mundos de provas e expiações constituem os espaços da bondade divina, para que a gente possa, com os sofrimentos, reencontrar o caminho em linha reta, até atingirmos a perfeição.

Voltemos à mensagem do Espírito de Verdade:

“Mas, ingratos, os homens se afastaram do caminho reto e largo”. . .

É preciso refletir na força da palavra “ingratos”; nós estamos em um corpo, mas nós não somos o corpo, somos Espíritos que estão ocupando um corpo. E o Espírito fica muito mais tempo na erraticidade que encarnado. Quando estamos na erraticidade percebemos que somos um Espírito imortal, indestrutível. Deus nos fez imortais, indestrutíveis, para vivermos felizes nesse universo extraordinário. Mas nós não observamos o que Ele nos legou para que nós mesmos construíssemos a nossa felicidade. Além dos meios para isso, Deus nos deu todo o tempo necessário para que a construíssemos, uma vez que nós somos imortais: nós não temos uma duração da nossa vida.

E aí somos ingratos. Escolhemos um mundo de provas e expiações para encarnar; escolhemos as provas e as expiações por que nós mesmos julgamos fundamental passar, tendo consciência de que expiações são as provas consequências das más escolhas anteriores, do mal que a gente praticou; Deus permitiu que fôssemos amparados e intuídos por Espíritos amigos, e nos colocou um anjo da guarda para nos ajudar a vencer as provas e expiações que escolhemos, para superarmos nossas dificuldades e fraquezas; sempre nos enviou seus missionários com suas mensagens, explicações, orientações; e, ao invés de agradecermos a esse Deus Pai por sermos imortais, por termos a capacidade de chegar à perfeição, por termos amparo constante de amigos espirituais, nós nos mantemos há séculos e séculos na ingratidão, não dando o verdadeiro valor à vida, não agradecendo, não prestando atenção aos seus desejos, chocando-nos com seus desígnios; por isso temos a consciência de culpa, o remorso, por que recebemos tanto e agradecemos tão pouco a ele.

Aí ele lembra aos homens que eles se afastaram do caminho largo e reto, que nos levaria muito mais rápido para a segunda ordem, sem necessidade de viver as expiações. Mas ignoramos, ingratamente, o caminho que não era para privilegiados, para escolhidos, para um só povo, aquele era o caminho para todos que escolhessem seguir a lei de Deus.

Ignoramos esse caminho que conduz ao reino do meu Pai, e, ingratos, nos afastamos Dele e fomos para as “ásperas sendas da impiedade”. Em português a palavra “piedade” é usada com dois sentidos, o de devoção e o de compaixão. Em francês existe uma palavra distinta para cada um desses dois sentimentos, “piété”, para devoção, e “pitié” significando pena, compaixão.

Na mensagem do Espírito de Verdade a palavra piedade significa devoção, e, portanto, impiedade é a falta de devoção. Ímpio é aquele que não é devoto a Deus, e as sendas da impiedade são os caminhos que os ímpios tomam, afastando-se do Pai.

Portanto este é um caminho áspero. É o caminho da dor, do sofrimento, da luta, do conflito, de ter um corpo grosseiro, que adoece. Os Espíritos chamam esse tipo de mundo em que vivemos de prisão, que nós mesmos construímos pelas nossas escolhas. O Espírito Jobert, que viveu no tempo de Kardec, diz que o mundo de provas e expiações é uma hospedaria ordinária, que não vale a pena nem desfazer a mala. Não valer a pena desfazer a mala significa que o lugar é ruim, a vontade é passar rápido e ir embora, não se deseja ficar ali. Essa péssima hospedaria é lugar de Espírito imperfeito, que devido aos males que praticou está preso a ela.

No capítulo “Há muitas moradas na casa do meu Pai”, em O Evangelho segundo o Espiritismo, Santo Agostinho descreve os mundos felizes, onde os corpos não tem essa natureza grosseira dos nossos, onde não há conflitos das paixões humanas, onde as pessoas se amam e se respeitam, onde ninguém quer viver as custas de outro, ou explorar o outro, ou prejudicar o outro. Nesses mundos há um ambiente de colaboração, de amor, de fraternidade permanentes, e de verdadeira felicidade; mas para chegar lá são necessárias as virtudes, não se pode ter nenhum desejo no mal.

A virtude é construída pela alma, não é uma dádiva, não é uma doação. É preciso que assim seja, para que o Espírito valorize o seu estado virtuoso. Perguntados por Kardec por que Deus já não nos fez perfeitos, com todas as virtudes, os Espíritos responderam que era necessário que tivéssemos o mérito da construção. Para que déssemos valor a elas, à sua conquista.

A liberdade é algo de que nós não abrimos mão, e temos liberdade para escolher o caminho que quisermos. Se escolhemos o mal, temos sofrimentos, se escolhemos o bem, somos felizes. Cada vez mais felizes. Quando escolhemos o caminho reto temos que ir praticando a lei de Deus e conquistando as virtudes automaticamente. Quando desviamos para Espíritos imperfeitos teremos que vencer os nossos vícios, passar por expiações, fazer as reparações, desenvolver as virtudes e aí voltar para o caminho reto.

Mas aí o Espírito tem seu mérito, ele conquistou a virtude, escolheu e esforçou-se, passou por cima de seus vícios, tudo que é conquistado tem um sabor especial, valoriza-se muito mais que se fosse dado de graça. Deus, para manter a liberdade como uma lei fundamental, nos permitiu fazer as escolhas, então está nas nossas mãos, não é? A qualquer momento podemos deixar esse caminho transviado e voltar para o caminho largo e reto. Depende só de você e de mais ninguém, está nas mãos de cada um deixar as paixões ruins e sair da terceira ordem.

“Meu pai não quer aniquilar a raça humana”.

Lembremos que na história das religiões, mesmo do monoteísmo, começou-se a ideia de um Deus único, mas um Deus antropomórfico, com as características do ser humano, um Deus cruel, vingativo, causa das dores e dos sofrimentos do mundo, das guerras, das catástrofes, um Deus que deseja aniquilar o homem. Essa visão vem desde os tempos antigos, do Deus da guerra que escolheu um povo, que matava os inimigos desse povo, que iria destruir os outros povos, essa visão ingênua de Deus que tem escolhidos e os privilegia. A ideia do Deus que não gosta da espécie humana porque ela vive em guerras, em catástrofes, em lutas e em dificuldades permaneceu na humanidade, e então o Espírito de Verdade está nos lembrando que não é isso, que Deus não tem privilegiados, ele não escolhe este ou aquele povo, essa ou aquela religião, não, não existe olhar diferente de Deus.

Então ele está nos lembrando, como já fizera há dois mil anos, que não existe o Deus da guerra, o Deus vingativo, lembra-nos que Deus é amor, e amor para com todos, indistintamente.

Mas o que Deus espera de nós, que já enveredamos pelas ásperas sendas da impiedade?

Ele quer que nos ajudemos mutuamente, mortos e vivos. Quer que saibamos que são os mesmos Espíritos que ora estão encarnados e ora desencarnados, mas que somos imortais como Espíritos. Kardec observa que antes do Espiritismo não se prestava atenção no mundo espiritual, não nos dávamos conta dele, e não percebíamos que nós temos um mundo espiritual em sintonia e interação permanente com o mundo corporal; e ainda hoje nós não paramos para pensar nisso.

Quantas vezes por dia elevamos o nosso pensamento ao nosso anjo guardião para que ele nos ajude, nos inspire? Quantas vezes pedimos aos nossos bons amigos espirituais que nos ajudem? Uma vez na vida e outra na morte, ou de vez em quando em uma catástrofe ou uma doença. Nós temos esses Espíritos o tempo todo ao nosso lado, e não prestamos atenção.

Somos todos Espíritos imortais em processo de evolução, todos necessitando de muita colaboração e apoio, seja de Espíritos desencarnados seja de homens.

Por isso o Espírito de Verdade nos recomenda “orai e crede”, pois ao orar buscamos a sintonia com as forças espirituais que estão presentes em nossas vidas, e acreditando, seguiremos sem hesitar as recomendações dessa doutrina renovadora e lúcida que foi trazida para nós, e que às vezes parece que não levamos muito a sério.

Somos então lembrados pelo Espírito de Verdade que não é mais a voz dos apóstolos e dos profetas que nos ensinam, como outrora ocorria, mas que os Espíritos falam em todas as partes, podemos nos comunicar com eles a todo momento, todos nós podemos interagir com os Espíritos, seja por meio da mediunidade, que é algo comum, muito comum, seja por meio da prece, da influência espiritual do nosso anjo guardião, dos nossos Espíritos amigos. Essa ponte de comunicação é permanente, basta que pratiquemos: quem não é médium ouvindo seu anjo guardião por meio da prece, e prestando atenção nas boas inspirações, e quem é médium comunicando diretamente com os Espíritos.

Então nós temos essa grande possibilidade de interação e de comunicação com os Espíritos. Deus achou que era o momento de todos poderem ouvir, de todos poderem aprender com os mortos; isso nos ajuda a lembrar dessa realidade, já fomos mortos, reencarnamos e voltaremos a ser mortos, ao regressarmos à nossa verdadeira pátria. Kardec coloca o mundo espiritual como o nosso mundo normal primitivo, ou seja, o nosso mundo normal não é encarnado, é a vida como Espírito, então temos que voltar para esse mundo melhor do que dele saímos para reencarnar.

Mas a pergunta é: como voltar melhor?

Pela prática da virtude. É ela o grande bem que fará que cheguemos mais ricos ao mundo espiritual. E o Espírito de Verdade diz mais, diz que as virtudes crescerão e desenvolverão. Por quê? Porque conquistaremos a virtude aqui na Terra, nesse ambiente de dificuldades, de necessidades, nesse ambiente de luta, será uma conquista definitiva, não a perderemos mais, ela só vai crescer e desenvolver em novas existências. Todo bem conquistado permanece com o indivíduo, levando a maior desenvolvimento desta alma. Conquistar aqui, pois aqui somos provocados.

Portanto é na vida corporal que somos provocados: é preciso trabalhar para manter o corpo, passamos por doenças, pela morte de pessoas queridas, temos conflitos no lar, no ambiente da família, no local de trabalho, e vamos desenvolvendo as virtudes da resignação, da paciência, do perdão, da indulgência, da caridade. A possibilidade para a prática das virtudes e a eliminação dos vícios é, em um mundo de provas e expiações, permanente; e, se conquistarmos um bem, uma virtude, não a perderemos nunca, vamos só seguir adiante, cada vez cresceremos e nos desenvolveremos mais, porque a conquistamos em um ambiente de adversidade, que poderia levar a pessoa para o vício. Nesses mundos é muito fácil ir para os vícios, tudo leva a eles, há constantes provocações para o ciúme, a raiva, a inveja, o apego às coisas materiais, as sensualidades. A vida corporal oferece possibilidades permanentemente para tudo isso, são as provas, as expiações. Ao conquistar as virtudes, chegaremos do lado de lá e pensaremos: “Meu Deus, consegui vencer tudo aquilo” — e então as próximas encarnações serão melhores, as próximas existências serão muito melhores do que a atual.

No entanto, normalmente esse esforço não acontece. Em geral vimos para cá cheios de boas ideias e bons planos, mas acabamos nos entregando às paixões, aos vícios, e ao nos entregarmos tornamos a cometer mais males, prejudicando mais pessoas, criando novas expiações, novas necessidades de reparações, mais demora para voltar ao caminho reto.

Então houve um retrocesso do Espírito? Não, os valores morais dele continuam os mesmos, tanto que ele cometeu os deslizes de sempre, que não teria cometido se tivesse desenvolvido as virtudes. Agora terá novas expiações, remorsos, arrependimentos e outras reparações a fazer, retardando a caminhada para a felicidade. Ao abordar esse assunto, Kardec diz que quando numa vida alguém pratica muito mais mal que em uma vida anterior, é porque ele já tinha os sentimentos ruins, que talvez não tivesse colocado em prática por falta de oportunidade, mas quando ela surge, ele faz.

Que situação complicada: o Espírito não avança, porque não muda o mundo interior, e ao mesmo tempo cria caminhos mais difíceis para o futuro, quando terá que reparar o mal que praticou ao cultivar emoções ruins. Isso não é retrogradação, o seu futuro vai ficar pior, não porque ele retroagiu, mas porque arrumou mais reparações para fazer.

Quando nós enfrentarmos nosso mundo íntimo e conquistarmos as virtudes, nos livraremos das causas de todos os males que produzimos, que são as paixões ruins, as emoções ruins.

E após vencer, ao chegar no mundo espiritual o Espírito estará imensamente feliz, porque venceu o ciúme, a mágoa, a inveja, o orgulho, o egoísmo etc. Venceu as grandes provas que o mundo de provas e expiações oferece aos Espíritos imperfeitos. Aqui é o lugar certo para vencermos a nós mesmos.

O Espírito de Verdade continua em sua mensagem:

“Homens fracos, que compreendeis as trevas das vossas inteligências”. . .

O
lha que convite curioso: homens fracos, mas apenas aqueles que compreendem as trevas da inteligência; não todos os homens fracos, não todos os Espíritos imperfeitos, mas aqueles que já compreendem que estão nas trevas, que não conseguem enxergar o caminho, embora desejem enxergar.

E a eles o Espírito de Verdade recomenda:

Não afasteis o facho que a clemência divina coloca em vossas mãos para clarear o caminho e reconduzir-vos, filhos perdidos, ao regaço de vosso Pai”.

Não afastemos esse facho que Deus coloca em nossas mãos, o facho do Espiritismo, que é a expressão do pensamento de Jesus. Queremos compreender, voltar para o caminho reto, e temos esse facho, temos essa tocha poderosíssima para vencermos nossas fraquezas, temos agora essa doutrina espírita que abre a nossa mente, com a sua teoria e toda sua orientação prática.

O Espiritismo não é apenas teoria, mas também traz orientações práticas: a prece, a sintonia com os bons Espíritos, o anjo guardião, a prática da caridade são instrumentos que o Espiritismo nos coloca nas mãos, para que o caminho fique claro, e a vida diferente. Sim, a vida passa a ser olhada de modo diferente, olha-se diferente para a dor, para a dificuldade, o mundo passa a ser entendido diferente, porque agora se tem a tocha do conhecimento espírita, clareando toda a frente, iluminando para o caminho que leva a Deus.

O Cristo nos faz esse convite: não afastem esse facho. E então ele diz que vai reconduzir-nos, ou seja, já havia nos conduzido, já havia ensinado, mas nós o ignoramos e nos prendemos ao mundo corporal, aos vícios, às paixões doentias. Mas ele é misericordioso, e vai nos conduzir de novo.

Em outra mensagem, mais adiante nesse mesmo capítulo, o Espírito de Verdade nos alerta:

O Espiritismo é o supremo apelo de Deus aos homens”; o que significa o “supremo”? É o maior de todos. Não haverá outro, não se espere uma quarta revelação. Não há revelação maior que a revelação espírita, porque ela é a revelação da ciência, da verdade, da filosofia no que ela tem de mais verdadeiro. Não haverá uma quarta revelação, não se fique adiando “Não, eu ainda não estou convencido, o Espiritismo não é suficiente para mim”. Vai se dar muito mal se ficar esperando. Essa tocha, que é o Espiritismo, é a maior e a melhor que nós, os Espíritos imperfeitos, dispomos. Não vamos ter outra. Aproveitemos!

Analisemos racionalmente o Espiritismo, todo esse conhecimento lúcido, essa lógica monumental, à nossa disposição para ser utilizado em nosso benefício; se não ficarmos convencidos com uma doutrina que demonstra cientificamente a realidade do Espírito com provas irrecusáveis, que demonstra filosoficamente a coerência do pensamento espírita, se nós não ficarmos convencidos com isso, do que nós precisamos para nos convencer?

O Cristo, na sua sabedoria e seguindo o pensamento divino, esperou até o século XIX para trazer o Espiritismo. Para compreender a doutrina espírita era necessário que a humanidade soubesse fazer ciência, que tivesse um método racional bem elaborado, como o método científico, que permitisse chegar à verdade.

Então o Cristo, como Espírito de Verdade, aguardou quase dois mil anos. Só depois que a ciência e a filosofia possuíam todas as ferramentas fundamentais para a compreensão da verdade, ele nos trouxe a doutrina. Não se pode esperar que venha outra vez. O que mais traria para nos mostrar o caminho da salvação, o porquê de precisarmos desenvolver as virtudes substituindo os vícios morais, se a doutrina espírita já tem tudo isso muito claro?

O Espiritismo é o grande facho que não se pode deixar de lado. Nós já recebemos essa luz, já tomamos conhecimento do pensamento do Cristo na expressão do pensamento de Kardec e dos Espíritos superiores, agora cabe a nós utilizá-lo.

Kardec e os Espíritos foram, em suas obras, os que melhores compreenderam e traduziram o pensamento do Cristo, expondo-os de maneira muito clara. Os quatro Evangelhos contêm o pensamento de Jesus, mas esse pensamento está misturado com fatos da época, com linguagem metafórica e com parábolas. Kardec, para resolver isso, escreveu O Evangelho segundo o Espiritismo, limitando-se à exposição e comentários de Espíritos superiores do pensamento do Cristo, analisados segundo a ótica espírita. Então, não é o Espiritismo segundo o Evangelho, é diferente, é o Evangelho segundo o Espiritismo.

Se fôssemos estudar o Espiritismo segundo o Evangelho, teríamos contradições inexplicáveis, porque os evangelistas descrevem algumas vezes um Jesus triste, nervoso, amargurado; então, se eu fosse ler o Espiritismo segundo o Evangelho, Jesus não seria um Espírito puro; como sabemos, um Espírito Puro nunca sente tristeza, ciúme, amargura, que são sentimentos e emoções de Espíritos imperfeitos. Nem os Espíritos bons têm essas emoções, muito menos o Espírito puro. É o Espiritismo que nos mostra o que é lógico e coerente no Evangelho, não é o Evangelho que nos mostra a coerência e a lógica do Espiritismo.

Portanto é “O Evangelho segundo o Espiritismo”. Os textos evangélicos foram escritos por grandes pessoas, mas tiveram deturpações ao longo do tempo. É o Espiritismo que nos dá os instrumentos para a leitura correta do Evangelho, vendo no Cristo um Espírito perfeito, sem as fraquezas com que as vezes os evangelistas o mostram, como se Jesus, um Espírito puro, tivesse fraquezas humanas. Allan Kardec diz em A Gênese, ao falar da natureza de Jesus: “Não tinha nenhuma das fraquezas humanas”.

Então, ao estudar O Evangelho segundo o Espiritismo, vamos descobrir como Kardec e os Espíritos superiores mostram o pensamento do Cristo sólido, profundo e rico. A linguagem com parábolas e metáforas usada por Jesus era necessária, uma vez que não havia filosofia e ciência suficientes para que ele tivesse à disposição uma linguagem mais apropriada para expressar seu pensamento. Ele esperou quase dois mil anos para que a linguagem filosófico-científica se aperfeiçoasse, para que os homens desenvolvessem métodos de investigação muito mais precisos e claros, e aí veio de novo como Espírito de Verdade, agora utilizando uma linguagem simples, direta, clara e profunda. Não se pode dizer assim: “Não entendi, estava confuso, eram metáforas”. Isso ocorre com os textos evangélicos, que acabaram dando dezenas de correntes diferentes, todas dizendo que estão interpretando os textos evangélicos, mas as obras do Espiritismo não dão margem a isso.

Kardec diz na Revista espírita que se esforçava, nos textos que produzia, para explicar o pensamento espírita sem deixar possibilidades para formar cismas. A preocupação de Kardec era deixar o conhecimento com tanta clareza e precisão que ninguém pudesse dizer que existem dois espiritismos baseados em Kardec. Não, existe um só, ao contrário do que ocorreu com o Evangelho, que gerou muitas correntes de interpretação, feitas até hoje. O Espiritismo nos oferece esse facho preciso.

Sinto-me por demais tomado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa fraqueza imensa, para deixar de estender mão socorredora aos infelizes transviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro”.

Vejam que coisa maravilhosa. Ele olha para nós, Espíritos imperfeitos, fracos, compreende a nossa miséria moral, sabe que nós somos pobres moralmente falando, e se compadece.

Pascal explica isso em O Evangelho segundo o Espiritismo, numa mensagem extraordinária, “A verdadeira propriedade”, em que o grande filósofo e matemático pergunta: “O que faz um homem rico?” E nos ajuda a compreender: são as virtudes.

Tens virtudes, és rico. Não tens virtudes, és pobre.

Assim, o Espírito de Verdade, sabendo que ainda não aprendemos a cultivar as virtudes, compreendendo amorosamente a nossa miséria moral, estende mãos socorredoras a todos nós, os infelizes transviados que olhamos para o caminho reto que conduz a Deus, mas continuamos caindo nos abismos dos erros. Nós sabemos que devíamos seguir aquele caminho, podemos vê-lo, mas vacilamos e escolhemos continuar no caminho que nos prende à matéria e aos vícios.

Crede”, alerta-nos o Espírito de Verdade. Crer e confiar. É preciso acreditar em seu divino pensamento, em sua verdade, vivê-la resolutamente, porque a dúvida é a pior das conselheiras. Em filosofia se diz: na dúvida, não escolha. Se a pessoa tem dúvida deve parar, refletir, usar a razão para entender o que seria correto fazer, e o que seria errado. A dúvida é paralisante, e precisa ser provocadora de reflexão. No campo da conduta ético-moral, se tiver dúvida, pare e pense se a ação prejudicará alguém, imagine o que sentiria se fizessem o mesmo com você. É crucial lembrar que responderemos pelo mal que praticarmos, pois somos Espíritos imortais. Precisamos ter certeza de que somos Espíritos imortais, que os vícios nos prenderão nas amarras do sofrimento e das dores, e que a virtude é o único caminho que vai levar à felicidade que almejamos. É preciso ter certeza. É fundamental crer no que o Espírito de Verdade trouxe com o Espiritismo. Mas amar, porque é preciso iluminar o caminho, e só o amor propicia a sua visão plena e nítida.

E o Cristo continua nessa mensagem fantástica:

“Meditai sobre as coisas que vos são reveladas”.

Meditai: nós temos feito isso? Nós lemos um texto como este, que tem uma riqueza tão grande, e paramos para meditar? Refletimos profundamente sobre esse texto, sobre a verdade que contém? Já pararam para pensar que na obra de Kardec estão as mensagens mais ricas e profundas de toda a história da humanidade?

Precisamos parar e pensar nisso. As mensagens mais ricas e de mais profundidade estão apresentadas nas obras de Kardec. Ali está o Espírito de Verdade, Jesus, de forma clara, profunda e rica. Ali estão os grandes Espíritos superiores, seus emissários, e nós lemos superficialmente, sem meditar, sem refletir para extrair dali a beleza do seu pensamento, do seu conteúdo? Então, habituemo-nos a meditar sobre as verdades da doutrina espírita, meditemos sobre as coisas que nos são reveladas.

Em seguida, o Espírito de Verdade traz uma recomendação fundamental:

“Não mistureis o joio com a boa semente, as utopias com as verdades.”

Nós temos misturado. O orgulho, o egoísmo, o nosso interesse, nos iludem e misturamos o que é certo e o que é errado. E então levamos juntos o joio e a boa semente. Ainda nos permitimos dúvidas sobre sermos corpos ou Espíritos.

Do mesmo jeito as utopias. Embora a verdade espírita seja simples, profunda, clara e de fácil entendimento, nós adoramos criar sistemas, inventar coisas bem sofisticadas, bem difíceis, linguagens complexas, como se para ter sabedoria e verdade fosse preciso ser erudito e de difícil entendimento. Tornamos difícil o que é fácil. A que leva isso? Só dificulta a caminhada, nossa e de quem anda conosco. Veremos a simplicidade e a profundidade estudando as obras de Kardec, e meditando sobre os ensinamentos apresentados nessas obras.

Quantas palavras novas tem em Kardec? Poucas, não é? Perispírito, Espiritismo, algumas classificações da mediunidade, é uma doutrina simples. Kardec não ficou inventando uma terminologia sofisticada que só filósofos e cientistas entendessem, o pensamento do Cristo está apresentado em uma linguagem que todo o mundo entende, os princípios espíritas são simples, absolutamente simples de entender.

Mas há quem adore criar sistemas, formular sistemas. Em visita de Kardec a Bordeaux, o Espírito Erasto dita a Epístola de Erasto aos espíritas de Bordeaux, na qual ele relata que uma nova estratégia dos Espíritos que queriam atrasar o progresso da Terra estava sendo utilizada, visto que o combate direto à doutrina espírita estava fracassando. Se estudarmos a história do Espiritismo vamos descobrir algo curioso: quando o Espiritismo surgiu em 1857, com o pensamento lúcido e claro de Kardec, ele foi combatido por todos aqueles que não queriam que esse pensamento crescesse. Mas quanto mais a igreja, as outras religiões, a ciência e a academia combatiam o pensamento de Kardec, mais a doutrina crescia.

Kardec tem essa característica: é irresistível. É iniciar a leitura de um texto de Kardec e pronto, é difícil resistir. Por isso digo que Kardec não precisa de defesa, Kardec precisa de divulgação. Não é preciso defendê-lo, sua obra se defende por si mesma. É preciso apenas que as pessoas conheçam essa obra, para que a lógica e o argumento simples e profundo de Kardec as conquistem.

Então, diz Erasto, os Espíritos inferiores perceberam que o combate não era mais o caminho, e resolveram traçar uma estratégia diferente: participar da doutrina e destruir por dentro, criando sistemas e utopias, e isso começa ainda no século XIX. Ao invés da clareza e simplicidade do pensamento kardequiano, começam a inventar propostas malucas, e as colocam como se fossem parte do Espiritismo.

Isso leva Santo Agostinho a dizer “cabeças cornudas e caudas”: imaginem o Espiritismo como um ser lindo e perfeito, aí alguém vem e coloca nele cornos e cauda, deformando-o. Foi isso que os inimigos passaram a fazer: mantinham elementos espíritas nos pensamentos que apresentavam, mas inseriam propostas malucas que deformavam a doutrina; dessa forma afastam as pessoas inteligentes que raciocinam e que pensam. Ao olharem para aquele corpo doutrinário deformado passam a encontrar erros, contradições, problemas, e desanimam achando que ali não há verdade, porque está toda deformada e sem lógica.

É fundamental que aprofundemos nossos conhecimentos do pensamento lúcido e simples nas obras de Kardec, para entender o que é de fato o Espiritismo, evitando que caiamos nas armadilhas dos sistemas fantásticos, extraordinários que em vez de esclarecer criam utopias, não expressam a verdade e nos afastam dela.

“Espíritas, amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo.” Ordem adequada e correta; primeiro clarear o caminho, aprender qual é o caminho, enxergá-lo nitidamente, e então avançar por ele.

Com o amor, abrimo-nos para compreensão e o entendimento da doutrina espírita, porque nos sintonizamos com os Espíritos superiores, aqueles mesmos que são os emissários do pensamento e da verdade dessa doutrina. Quando amamos entramos na faixa de sintonia das grandes almas, estamos preparados para ouvir a verdade, e aí vem a instrução, que vai nos dar os elementos adequados para não cairmos nas utopias de cabeças cornudas e caudas, e enxergarmos e entendermos a verdade que precisamos aprender e seguir.

A mensagem do Cristo continua:

No cristianismo encontram-se todas as verdades”; em germe tudo estava no pensamento de Jesus, e o Espiritismo eliminou tudo que os homens haviam inserido deturpando esses ensinamentos. Mas ali está a verdade, que se encontra mais clara na obra espírita.

“São de origem humana os erros que nele se enraizaram”; o próprio Espírito de Verdade reconhece aquilo que Kardec vai mostrar nas obras O Evangelho segundo o Espiritismo e em A Gênese; quando se lê o texto evangélico tal como está escrito em Mateus, Marcos, Lucas e João, encontramos erros e falhas. Por exemplo, Jesus secando uma figueira que não deu figos porque não era época. Ora, ela estava seguindo a lei de Deus, Jesus não puniria alguém por estar seguindo a lei de Deus.

Então era necessário tirar os erros humanos que foram introduzidos nos textos evangélicos, como o Jesus raivoso no templo, ou aquele Jesus temeroso que pede a Deus para afastar o cálice, como se ele tivesse qualquer fraqueza humana. Ele já era Espírito puro, mas por amor, por obedecer a lei de justiça, amor e caridade, Jesus encarnou entre nós. Mas ele sabia que passaria por tudo aquilo, e ele estava preparado, sabia perfeitamente do que eram capazes os orgulhosos e egoístas Espíritos imperfeitos naquela época. Esses erros humanos ficaram presentes e misturados com o pensamento de Jesus, e coube ao Espiritismo mostrar o que naquele pensamento era verdadeiro, o diamante rico e puro, eliminando os erros humanos que foram introduzidos.

“Eis que do além-túmulo, que julgáveis o nada, vozes vos clamam: Irmãos! Nada perece. Jesus Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade.”

O texto é claro, Jesus Cristo é o vencedor do mal, pois é Espírito puro, não há nele maldade alguma.

E nós, o que precisamos vencer? A impiedade, a falta de devoção, porque este é o nosso problema. Ser devotado é cumprir a lei de Deus. E nós ainda estamos longe de fazer isso. Mas essa é a necessidade primeira do Espírito imperfeito, para retornar ao caminho reto que conduz ao reino de nosso Pai.

Nós ainda temos o mal em nós, ainda somos Espíritos imperfeitos; precisamos vencer a impiedade, precisamos ser devotos a Deus, seguir o seu mandamento, cumprir a sua lei, como se encontra no texto do Espiritismo. Este é o nosso desafio.

O mal irá desaparecendo de nós na medida em que formos vivendo a lei, praticando-a, dia a dia.

Mas vencer a impiedade é trabalho individual e intransferível; sermos devotos a Deus é o único caminho para a felicidade verdadeira.

Vamos compreender Kardec, para viver Kardec!

Nota do transcritor: As análises do segundo parágrafo da mensagem do Espírito de Verdade foram transcritas do seminário da Web Rádio Fraternidade — “Espíritas!, amai-vos, eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo”, — com os expositores Cosme Massi e Rosana Voigt, no dia 21/03/2021. Realização Fraternity Spiritist Society. ​


*Observação. O texto acima foi retirado de uma exposição de viva voz. Como todo ensino oral, esta colocação pode não ser tão rigorosa com os sentidos das palavras, por efeito da proximidade entre as pessoas que conversam. É preciso, por isso, considerar que as definições dadas podem ser provisórias, e que alguns termos são usados em sentido figurado. Em todo caso, o fundo da mensagem não deixa equívocos.

Cosme Massi é Físico, Doutor e Mestre em Lógica e Filosofia da Ciência pela UNICAMP. Foi professor, pró-reitor e diretor de diversas universidades no Brasil. Ganhador do Prêmio Moinho Santista em Lógica Matemática. Escritor, palestrante e estudioso das obras e do pensamento de Allan Kardec há mais de 30 anos. Idealizador do IDEAK (Instituto de Divulgação Espírita Allan Kardec) e da KARDECPEDIA, plataforma grátis para estudos das obras de Allan Kardec. Reúne mais de duzentas aulas de Espiritismo na plataforma KARDECPlay.


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